Na minha rua, em especial, sempre que passo por ela sinto aquele cheiro gostoso de conforte, sabão em pó... cheiro de roupa limpa. A lavanderia de porta rosa. Todos os dias vejo aqueles gatos em meio às roupas dos vários universitários, meninos e meninas que, ou tem preguiça de encarar o tanque, ou é folgado mesmo.
E a lavanda que dona Marieta mergulha na roupa se alastra pelos quarteirões inteiros. Emanando aquele cheiro gostoso, que até bate aquela saudade de casa, da mãe e do aconchego do lar, que pelo destino é em outra rua, bem, bem distante.
Mas todo santo dia, a lavanderia está cheia. Cheia de roupa suja e imunda. E cheia de gente de todo lugar do mundo. E os gatos pretos, pardos, malhados, brancos fitam o meu passar todo santo dia.
Eles são os donos das ruas. Lembro de madrugada. Quem está nos arredores são os gatos. Benditos gatos. E a rua de casa fica sempre mais bela.
Ah! O cheiro. As ruas tem uns odores peculiares. Ali na rua de casa, além do cheirinho bom de roupa limpa, tem o cheiro das rosas de um quintal bem cuidado, da dona Lua. Rosas brancas, vermelhas, flores espetaculares que desconheço... são seres que perfumam a minha pequena rua ladrilhada de hexágonos de concreto. Apesar do cimento cinza é imersa de cores.
Sempre uma vez e outra também me passa rostos familiares na rua perfumada. Possíveis vizinhos, passantes com o mesmo horário, rostos que acabam se tornando conhecidos. E de repente, você se vê proclamando um belo bom dia, um oi tímido e até um: “e aí vizinho! Tudo bem?”.
Ruas perfumadas. Oh! A rua de casa é tão bela. E as pessoas que passam por ela são mais belas que as feras. Pessoas perfumadas andando pela rua perfumada. E todo dia buscando algo. Indo para algum canto. Vidas que em um momento se entrelaçam e se passam tão perto uma da outra. Que chega a sentir a energia dela, a aura, o humor do dia, e até consegue perceber qualidades e defeitos, entre um passar e outro. Coincidência engraçada! Passar pelas ruas e ver as mesmas pessoas.
Querendo ou não a rua sempre está ali: parada e móvel. Ela é a passarela de todo infortúnio e alegria. Todo desatino e felicidade. É através da bendita rua que vivemos a nossa vida, é por ela que chegamos na casa do bem amado, do emprego e deslumbramos a beleza da natureza.
É engraçado como algumas cidades têm suas ruas tão diferentes. Florianópolis tem um quê para morro, percebe-se logo que rua plana é balela por aqui. Aliás, ando bem, tropeço e encaro a rua todo santo dia. Desce o morro, sobe o morro.
A rua vai se esvaindo até se transformar em servidão. Como há ruas assim pela Ilha da Magia. Parece até que são feitas de pouquinho em pouquinho. É delirante. Servidão, travessa... são ruazinhas, filhas das avenidas. Talvez até há uma certa inveja. O movimento não é o mesmo e nem poderia ser. A servidão tão pequenina olha a grande avenida com certo desamor. E reza para que um dia, seja assim como ela. Cheia de bastante carros e milhares de pessoas: indo e vindo, indo e vindo.
Terra, cimento, sol, lixo, pobreza, esgoto, idosos, crianças.. rua, avenida, servidão, travessa, beco, gueto... Tudo bem no meio da rua.

Foto: Capa de 1908
(Crônica inspirada na obra A Alma Encantadora das Ruas escrita por um dos grandes nomes do jornalismo brasileiro, João do Rio, que nasceu no dia 5/8/1881 e morreu no dia 23/6/1921)
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